Passeando na infância,
soletrando o livro da vida,
leio um poema sem rima,
onde
o tema é o tempo...
E o tempo não perdoa.
Vou andando. A infância galopando.
Recordo as belezas cênicas de outrora:
a estética da natureza,
mas não as vejo. Desapareceram.
Sumiram as telhas-de-calha e as chaminés.
Os poucos casarões teimosos
são agora
imagens mutiladas pelos anos:
Brota o desenvolvimento arquitetônico.
A infância galopa nos meus passos.
No fim da primeira página,
do empoeirado livro da vida,
o poema é um cemitério de lembranças:
A pedra cobriu a poeira da estrada.
Um descendente do gato-preto
atropela minha sombra.
Onde estão os cachimbos e palheiros?
E o fumo-de-corda?
E a cachaça-dos-homens?
E os bravos!, onde estão?
Aqui morava Oscar: o espírita.
Preto-velho,
onde está teu casarão?
Lembro tuas conversas com o invisível...
Onde estás, agora, sem o teu “Oscar”?
A infância galopa nos meus passos.
Mudo a página
e leio versos de saudade,
na curva da estrada.
Saudade da criança
que o tempo assassinou.
Lá vem,
de muito longe,
o menino que fui,
encontrar
o homem que sou:
duelo sem mediador.
E agora, estrada-do-sul?
O asfalto te aposentou!
Vou andando. A infância galopando.
Na terceira página,
o poema é a violência da vida.
Um homem rude cruza comigo.
Tem barba
e bigode
e camisa-barata.
E veste um espírito materialista
aparentemente violento.
Paro indeciso. A infância passeia lenta.
Na penúltima estrofe
do livro da vida,
o poema é a dúvida.
O menino desencontrou do adulto. Que faço?
Um velhinho-grisalho, pitando palheiro,
olhou-me de frente, de perfil,
lembrou minha vida de criança
e sorriu molhado.
Parece um deus, o velhinho!
Estou voltando. Fantasmas galopando.
Deixo o atalho da infância...
Olhar soturno, passos arrastados.
Na legenda da cruz,
o nome do menino.
Uma mulher sorri
e lembro a que perdi.
Na página rasgada, a última,
o tema é nostalgia.
E o poema rima entre dor e amor.
(Baby Espíndola)
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{Sábado, 08/6/74. Revisado em 05/12/88}
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