sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O SOL DE UM CEGO

Quem passa e vê aquele cego,
no jardim plantando flor,
não sabe, não percebe,
que também já teve amor.

Foi feliz e viu o sol,
foi amado e amou,
hoje sofre solitário,
porque o sol se apagou.

Numa tarde de outono,
sua história começou,
foi traído, abandonado,
pela mulher que tanto amou.

Desde então, passa os dias no jardim,
de rosa em rosa, qual beija-flor...
E à noite desaparece,
na solidão, vai chorar a sua dor.

Ninguém entende seu sofrer,
ao falar, eu até peco,
pois não percebo, não vejo,
que a rosa é o sol de um cego.

Porém, se alguém dele se aproxima,
lamentos não ouvirá,
pois, mesmo no sofrimento,
o cego do jardim insiste em sonhar.

De cabelos já brancos, não esquece
a mulher com cheiro de jasmim...
“Cegos são os que enxergam”
– ele explica mais ou menos assim:

“Sou feliz e agradeço, Senhor!,
até pelo sol que não vejo,
pela chuva, os campos, os ventos;
por estas flores, a lua,
pelas singelas gotas de sereno”.

Sou feliz e agradeço, Senhor!,
pelas ondas que dançam nos mares,
pela natureza bordada por rios,
por esta imensa noite que vivo,
ou este céu azul de anil”.

Baby Espíndola

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08/01/73
Atualizado em 03/11/02

CONFISSÕES DE UM BEIJA-FLOR APAIXONADO

Num canto de um jardim
que tem quatro cantos,
e em cada canto
o encanto de dezenas de flores,
mora uma Rosa Vermelha,
misteriosamente encantadora,
mais bela
que todas as outras rosas,
mais vermelha
que a mais doce cereja.

Todos os dias,
da primeira hora da sabedoria
até o piar da coruja,
um Beija-Flor solitário
– o mais ligeiro dos pássaros –
voa em torno da Rosa,
em expontâneo ritual,
alegremente cantante,
apaixonado!

E, para que se cumpra
a profecia do livro do amor,
todos os outros pássaros,
reunidos nos ramos das árvores,
ouvem,
do pequeno alado,
o hino encantado,
cujas rimas são confissões.
Confissões de amor.

Pobre Beija-Flor apaixonado!
Não resiste ao perfume da flor.
Estonteado,
despenca em plena acrobacia
e cai,
nocauteado,
no canto mais úmido
e mais escuro do jardim,
à sombra do envelhecido jasmim.

Mas,
se para quem ama,
sem ser correspondido,
o destino oferece o sofrimento,
também reserva gotas de energia,
que o pobre passarinho,
resignado,
recolhe como dádivas divinas.

Quando recuperado,
volta então ao ritual
em torno da amada,
exaltando a sedução de suas pétalas
e o inebriante perfume.

Decididamente,
está apaixonado!
Apaixonado-confesso.

Se outro de sua espécie
corteja a Rosa desejada,
o Beija-Flor,
em pânico,
aterriza num galho seco...
Então,
sem fôlego,
emite um grito agudo,
o hino que traduz o amor desesperado.

Sonha
o Beija-Flor
com a Rosa, a mais bela,
só para si...
E, de tanto amor no peito,
julga-se até maior e mais forte
que o barulhento ben-te-vi.

* * *

Numa tarde sombria,
céu adivinhando tempestade,
o Beija-Flor,
todo apressado,
bebeu na folha do abacate
e retornou ao jardim.

! Que decepção !
Em volta da Rosa Vermelha,
num canto do jardim
– que tem quatro cantos
e em cada canto
o encanto
de dezenas de flores –,
exibe-se outro beija-flor,
! desconhecido,
! atrevido,
! oportunista!
Este,
da rainha-das-flores,
só deseja o prazer da companhia,
enquanto durar sua beleza.

A Rosa
! vaidosa,
! inexclupulosa,
abre as pétalas em radiante sorriso
e, de graça,
sem nada exigir em troca,
oferece seu perfume
ao pretendente amante.

O nosso Beija-Flor apaixonado
ainda tenta uma solução,
mas o outro,
! orgulhoso,
! vaidoso,
investe em tempestuosa agressão.

E, no meio de tantas bicadas,
em pleno vôo,
o invasor,
acidentalmente,
bate na Rosa
e ocorre o inesperado:

As pétalas caem desordenadas
e são arrastadas pelo vento.
Reinam tristeza e desespero,
num canto do jardim
que tem quatro cantos...

Em segundos,
da Rosa
! tão amada,
! tão querida,
! tão desejada,
resta apenas a saudade.

Imediatamente,
como num relâmpago
de tristeza e dor,
o jardim
que tem quatro cantos
perde todo o encanto...
E o impostor vai-se embora...

O Beija-Flor apaixonado
chora desesperadamente,
desolado.
É mais que um choro,
é um lamento:
retrato do sofrimento.

Incrédulo,
com o peito em sobressalto,
o eterno enamorado
reza ao Deus dos Jardins
e tenta,
inutilmente,
reunir as pétalas da Rosa,
fragmentos de uma vida
passageira e colorida,
pedaços de saudade.

Então,
descobrindo que o esforço é vão,
que a vida,
sem a Rosa Amada,
não tem sentido,
o Beija-Flor sofrido
fecha as pequeninas e delicadas asas
e jura nunca mais voar.

(Baby Espíndola)

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Rio do Sul, 12 /10 /88.