sexta-feira, 24 de junho de 2011

RETROCESSO


Passeando na infância,
soletrando o livro da vida,
leio um poema sem rima,
onde


o tema é o tempo...
E o tempo não perdoa.


Vou andando. A infância galopando.


Recordo as belezas cênicas de outrora:
a estética da natureza,
mas não as vejo. Desapareceram.
Sumiram as telhas-de-calha e as chaminés.
Os poucos casarões teimosos
são agora
imagens mutiladas pelos anos:
Brota o desenvolvimento arquitetônico.


A infância galopa nos meus passos.


No fim da primeira página,
do empoeirado livro da vida,
o poema é um cemitério de lembranças:
A pedra cobriu a poeira da estrada.
Um descendente do gato-preto
atropela minha sombra.

Onde estão os cachimbos e palheiros?
E o fumo-de-corda?
E a cachaça-dos-homens?
E os bravos!, onde estão?


Aqui morava Oscar: o espírita.
Preto-velho,
onde está teu casarão?
Lembro tuas conversas com o invisível...
Onde estás, agora, sem o teu “Oscar”?


A infância galopa nos meus passos.


Mudo a página
e leio versos de saudade,
na curva da estrada.
Saudade da criança
que o tempo assassinou.

Lá vem,
de muito longe,
o menino que fui,
encontrar
o homem que sou:
duelo sem mediador.


E agora, estrada-do-sul?
O asfalto te aposentou!


Vou andando. A infância galopando.


Na terceira página,
o poema é a violência da vida.
Um homem rude cruza comigo.
Tem barba
e bigode
e camisa-barata.
E veste um espírito materialista
aparentemente violento.


Paro indeciso. A infância passeia lenta.


Na penúltima estrofe
do livro da vida,
o poema é a dúvida.

O menino desencontrou do adulto. Que faço?
Um velhinho-grisalho, pitando palheiro,
olhou-me de frente, de perfil,
lembrou minha vida de criança
e sorriu molhado.
Parece um deus, o velhinho!


Estou voltando. Fantasmas galopando.


Deixo o atalho da infância...
Olhar soturno, passos arrastados.
Na legenda da cruz,
o nome do menino.
Uma mulher sorri
e lembro a que perdi.

Na página rasgada, a última,
o tema é nostalgia.
E o poema rima entre dor e amor.

(Baby Espíndola)

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{Sábado, 08/6/74. Revisado em 05/12/88}

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quarta-feira, 15 de junho de 2011

CANÇÃO DO SOLITÁRIO


Não ouço os padres,
porque muitos enlouqueceram
falando do Divino.
Não ouço os decoradores de bíblias,
que falam de um Deus vingativo.
Então me escondo em minha fé
que, ingênua e romântica,
procura só parábolas de amor,
um amor de resignação.
Não ouço os bêbados,
porque eles fedem, chatos,
nos milhares de botequins.
Dos fanáticos do futebol,
não escuto o grito de gol
e os muitos insultos aos árbitros
e suas injuriadas mães.
De algumas mulheres
– ah! que saudade
das verdadeiras mulheres! –
só ouço vulgaridades
das bocas que cheiram álcool
e xepa de cigarro.
Os amigos não têm mais tempo
para conversas da vida.
Alguns só falam com o médico,
se intoxicam com remédios;
outros correm ao advogado,
outros, tantos outros,
só se ocupam com eletrodomésticos.
Deixam a poesia morrer,
deixaram a filosofia apodrecer.
Isolado, solitário, magoado,
pela existência de tanta estupidez,
percorro mundos sobre rodas,
engolindo asfalto
e sufocando o desencanto.
Sempre que aqui ou ali eu paro,
converso calado com as pedras,
que revelam segredos do mar.
Dos passarinhos cantadores,
que voam em volta dos ninhos,
me embriago com seus hinos.
Nas asas das gaivotas,
centenárias pescadoras,
desenho poesias aos ventos.
Montando canoas nas ondas,
deslizo verbos de encantos.
Na lembrança dos teus olhos,
vejo filmes do passado,
alguns tristes de lágrimas,
outros de felicidade.
Na sombra imaginária dos teus cabelos
– que a noite tenta imitar,
quando as estrelas vão dormir,
atrás das folhas das nuvens –,
repouso e adormeço,
pensando que estás comigo
e que me chamas baixinho.
Mas, estás ausente,
não sei onde,
e isso aumenta o desespero
e a vontade de cavalgar asfalto
montando cavalo de aço.
Meu combustível
é a perseverante vontade
de um dia te encontrar.


{São José, 26 / 01 / 98}


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quinta-feira, 9 de junho de 2011

PORQUE MURCHARAM AS FLORES



Você foi,
para os meus olhos apaixonados,
tontos de amor,
embriagados de felicidade,
sonhadores de promessas,
as flores de todos os jardins.
Foi, inclusive, os próprios jardins.


Infelizmente,
hoje, quando vago sem rumo,
sem destino certo,
pelas ruas e avenidas
das cidades onde moramos
ou visitamos,
relembro
cada gesto,
cada palavra,
detalhes, marcas do passado.

Num filme de lágrimas
que me invadem os olhos,
vou desenhando seu rosto tão amado,
vou cheirando seu corpo suado,
seu perfume inconfundível, natural.


Sorrindo
e cantando
e dançando
as melodias da ilusão,
vou fingindo que sou feliz,
mas, na verdade,
por dentro estou morrendo.
Minha alma chora
lágrimas de silêncio,
que nem aos ventos eu confesso.
Assim, dou ao mundo meu sorriso,
mesmo sendo falso.
E a você,
que tanto amei,
deixo, em testamento,
o mais sincero dos sentimentos.


Nas ruas e avenidas,
que sempre terminam em um jardim,
lá não encontro mais as flores,
porque as flores murcharam.
Porque você era a síntese das flores,
e você sumiu tão de repentemente!


Você foi
toda a poesia dos oceanos,
as tempestades indomáveis,
os arremessos seculares
das ondas contra os rochedos,
o branco da espuma
acariciando a areia da praia.


Você foi
o lago tranqüilo, sereno,
onde soltei barquinhos de papel aos ventos.

Você foi
a algazarra dos pássaros nas madrugadas,
enquanto se enrolava em meus braços,
e me chamava
– amor!,
e dizia frases sem sentido,
nas quais eu reconhecia apenas o meu nome,
pronunciado entre verbos e predicados.


E há tão poucas luas,
num quarto rústico
do sertão de grilos e corujas
– : orquestra da natureza
interpretando a eterna sinfonia –,
você repetiu tudo isso,
em meus braços,
tão meiga!,
tão carinhosa!,
ora gemendo, ora chorando...


Você foi
a paixão.
Mas desta paixão
não quero mais provar!


Você personificou
o amor.
Mas deste amor
não posso mais amar!


Hoje você
é saudade,
uma saudade sofrida,
uma navalha fria
que rasga a alma.


E eu sou
a solidão,
a solidão
que vaga nas noites,
e invade as madrugadas;
a solidão
que finge brincar de felicidade;
a solidão
que se embriaga
para tentar esquecer
o impossível amor.


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Biguaçu, 21 de Janeiro de 1997.

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segunda-feira, 6 de junho de 2011

PROFECIA DO SUL


Brilha no sul a história
tanto ontem quanto agora.
Do carvão vem a riqueza
- status para o patrão,
político de falação -,
resta ao mineiro a pobreza.


Em tempos sombrios,
o homem no subsolo minerava,
e se do salário reclamava,
se clamava por justiça,
apanhava da polícia.


Descontente com a exploração,
mas, mesmo assim, muito esperançoso,
um mineiro profeta,
com a voz do Uirapuru,
aos quatro cantos do sul
cantou a lenda do Cristo.


Dizia:
- Não pode ser explorado
o homem trabalhador.
É preciso igualdade
na repartição do pão.
E no Sul, o pão é o carvão!


Então, de repente...
Numa manhã de esperança,
com nome de sindicato
nasce a organização,
saída da profecia:
sangue-suor-poesia,
salário-pão-energia.


Mas, foi preciso muita luta,
sangue no fundo das minas,
batalhas em campos de Anita,
surpreendente guerreira
da Juliana República.


Sob sol ou sob chuva,
desde Criciúma
(grande cidade)
e toda a região,
corre em trilhos o carvão,
nos trens que sacodem o chão,
até a vizinha Imbituba.


Do Porto Henrique Lage,
navios de muitas bandeiras,
dentre os quais o Jacqueline,
partem levando do Sul,
energia para o Brasil
e para as engrenagens do mundo.


Portuário, bom amigo,
homem vivido e sofrido,
a história escreve teu nome
nos mares de mil navios,
nas terras de muitos montes.


Portuário, creio, não sabes:
Deus trabalha no porto...
Com rosto anônimo
e mãos de sangue,
manobra máquina de trem,
mas é mineiro também.


Um dia – tempos remotos –,
pescou com teus avós,
nas aventuras primeiras,
à caça de muitas baleias,
hoje supostamente protegidas
por uma rede de leis.


Homem do porto,
olha o horizonte!
Ao sol navega tranquilo
outro navio carvoeiro.
Leva na ponta do mastro
a bandeira da esperança,
símbolo de todos os povos.


No estandarte,
o ouro de uma inscrição,
encravada com carvão:
Obrigado, portuário,
universal brasileiro!

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{1986}


domingo, 5 de junho de 2011

ANGEL

Angel,
onde estás agora,
quando, desesperadamente,
te busco na madrugada?
Provavelmente, dormes,
inocente e meiga,
e sonhas um mundo encantado.


Sonha, sonha, Angel!,
sonha com as rosas!,
e deixa que eu me preocupo
com os espinhos.
E até proponho:
ignora as minhas feridas!
– Pois em teu rosto tão lindo
não devem morar a dor e a angústia.


Sonha!, Angel,
Angel,
angelical e maravilhosa criatura
dos cabelos de ouro,
e nem te preocupa com o mundo,
pois, deste senhor tão confuso,
eu corajosamente cuido.


Para que teus passos sejam suaves
e sem cansaço,
eu marcho à tua frente,
retirando pedras e obstáculos.


Para que teus olhos só vejam a beleza,
desenhei rios, lagos, mares e montanhas,
e pintei o céu de azul.
No alto do mundo, pendurei o sol
para te aquecer;
criei as nuvens,
para que tenhas sombras;
a ciumenta lua,
para te admirar;
e as estrelas,
para te guiar à noite.


Angel,
também inventei a água
para aplacar a tua sede;
as flores,
para perfumar o teu caminho.
E para os teus momentos de tristeza e dúvida,
imaginei um oásis de carinho.


Do fundo da terra,
escavei as pedras,
que se transformam em ouro e prata
à tua encantadora passagem.


Angel, Angel,
para agradar aos teus ouvidos delicados,
espalhei pelos campos e florestas,
milhares de passarinhos.


Mas, Angel,
se tudo isso não é o bastante
para te fazer feliz,
então, humildemente,
eu te ofereço o meu amor.


Porém, se ainda assim,
permaneceres indecisa e infeliz,
pelo muito que te amo
– este amor tempestuoso
e de incendiado desejo –,


Angel,
incondicionalmente,
eu te ofereço
a minha vida.


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Madrugada de 12 / 04 / 99.