quinta-feira, 15 de abril de 2010

AS CANÇÕES QUE O POVO NÃO CANTA MAIS

São as canções dos ventos da liberdade,
são os ecos das vozes que silenciaram
por falta de auditório.

As canções
que o povo não canta mais,
estão no choro da criança
que não nasceu;
na sombra da árvore
que não brotou da terra-mãe;
no mar sem praia;
na lagoa sem água;
no pássaro de asas de sonho;
na cor da flor que murchou.

As lutas e batalhas pela terra,
o direito sagrado de respirar o verde,
o pulmão adoentado,
a tosse: tambor sem ritmo,
a mãe sem filho,
o homem sem horizonte:
Tudo isto, são filosofias
das canções que o povo não canta mais.

Porque o povo tem medo,
porque há fantasmas invisíveis
habitando almas.
Porque há asfaltos
que rasgam véus de saudade
e há destinos sem futuro.
Porque o golpe da enxada sobre a terra
não é festejado,
o arado custa muito dinheiro,
e os grãos envenenam os passarinhos.

Por tudo isso,
não há mais canção para se cantar.
Porque ninguém pratica verbos de amor,
ninguém fala predicativos de solidariedade.

Morreram os espantalhos
das roças de trigo, soja, arroz e milho,
os insetos multiplicaram-se impunemente.
E a desilusão
escancara sua boca ao mundo
e ameaça engolir a esperança.

Não há mais canção
para se cantar,
porque nas cidades
as rimas terminam em sangue
e os campos apagaram os vaga-lumes.

Não há mais canção para se cantar,
porque atropelaram o respeito
e os ratos roeram o amor.

Não há mais canção para se cantar
porque a criança não tem mais pão,
porque, nos esgotos da vida,
escorre inutilmente o suor do trabalhador.

Não há mais canção para se cantar,
porque a fé despencou do telhado do céu.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

CRISTO DOS DESAMPARADOS

Oh, Cristo dos desamparados e dos aflitos,
quero te revelar
na condição de filho em espírito
- aquilo que bem sabes -,
que estão a me perseguir.
Usam de todos os argumentos
para me derrubar moralmente,
e aguardam a minha queda
como a cobra ultra-venenosa
que corre do local da picada,
porque a vítima poderá tombar
sobre seu corpo esguio e peçonhento.
Usam até manobras judiciais,
com argumentos mesquinhos e torpes.
Massacram os meus passos
e eu não tenho a quem recorrer,
ninguém para lavar os meus pés cansados.
Cospem no meu rosto
e jamais alguém oferecerá os cabelos
para enxugar a humilhação,
nem irá orar pelo meu padecimento.
Colocam aos meus ombros exaustos
a cruz da vida,
e me deixam quase sem saída.
Preciso encontrar, imediatamente,
a Tua porta, Cristo dos desamparados!
Jogam sal nas minhas feridas
e riem do meu pranto.
Tenho sede,
sede de compreensão e de amor
e ninguém me oferece
a água que alivia a dor.
Amotinados, me atacam pelas costas,
com gestos covardes.
Dilaceram os alicerces materiais
que me sustentam
e tentam denegrir minhas convicções,
que confesso, já não são muitas,
pois que minhas reservas estão se esgotando.
Perseguido, humilhado,
bem sei, cometo erros graves,
erros do desespero,
que somente Tú, Cristo dos desamparados,
poderás entender e perdoar.
Poucos são os instantes de total lucidez,
como agora o faço,
para desabafar ao papel,
esse monólogo da flagelação.
Infelizmente, não me compreendem,
nem mesmo quando faço o sacrifício da solidão,
isolamento necessário à introspecção.
Os que me perseguem
não conseguem nem mesmo explicar seus motivos,
o que me faz acreditar,
como agora me ocorre
(nessa fria madrugada de julho,
quando o tambor da tosse
marca a cadência da doença, da aflição
e da destruição da carne)
que, mais uma vez,
eles não sabem o que fazem.
Por isso,
através da Tua Santa Sabedoria,
tento chegar aO Pai,
para implorar,
que os perdoe,
pois não ultrapassaram ainda
a desprezível condição de sanguinários carrascos,
que precisam milenarmente
crucificar cristos anônimos,
filhos do povo,
Teus irmãos em espírito,
filhos do Mesmo Pai
que por milagre Te gerou.
Filhos,
todos eles diferentes destas bestas sem juízo,
loucas, enraivecidas, ensandecidas,
muito bem produzidas, bem maquiadas,
que se escondem sob os mantos de cordeiros.

(Baby Espíndola)
Madrugada de 09/07/97.

AQUELE NAVIO QUE TE CHAMA SOU EU

Uma cobra de asfalto,
serpenteando entre campos
e ondulantes montanhas,
te levou para muito longe,
para além do alcance do olhar,
onde se abraçam o rio e o mar.

Além do horizonte,
muito, muito longe!,
mais distante que a saudade,
num bairro de cães vadios,
um telhado de limo vela o teu sono,
enquanto outro homem,
embriagado pelos teus encantos,
compartilha dos teus sonhos.

No bairro de ventos uivantes,
violentando a madrugada,
navios de muitas bandeiras,
inclusive a brasileira,
derramam marinheiros no porto,
que respinga melancolia
e desalentado desespero.

Mulher!... Mulher que eu amei
em silêncio,
dentre todos os navios que choram,
que gemem na escuridão do porto,
o apito mais lamentoso
é o meu grito de amor,
o eco de um profundo sentimento.

Aquele navio que te chama,
na barra do grande rio,
antes de partir,
a caminho do desconhecido...
Aquele navio que te chama
sou eu.

Aquela luz muito distante,
trêmula, quase apagada
pela falta da energia do teu corpo,
é a luz dos meus olhos,
que de saudade choram
lágrimas sofridas,
que se misturam
aos respingos do mar e às gotas de sereno.
Da mesma maneira,
aquele marinheiro solitário,
perdido nas cavernas da noite,
também sou eu.

E aquela folha, caída ao mar,
navegando, tonta, com os ventos,
é uma carta silenciosa,
que jamais escrevi,
falando do meu amor impossível.

Em verdade,
sem o teu amor,
sou um barco sem bússola,
perdido no mar da vida
e sem porto para ancorar.
Sou o pássaro noturno,
que canta e te chama,
mas não sabe onde te encontrar.

Mulher mil vezes querida,
se, na velhice da noite
ou na infância da madrugada,
o sono te fugir sorrateiro,
fecha os olhos,
para ver o filme das nossas vidas...
E então recordarás alguns bons momentos,
que juntos passamos.

Mas, se um navio choroso apitar,
com sofrida insistência,
vá até a janela,
e aproveita para namorar a lua cheia
e deixa teu olhar navegar no tempo,
até cruzar com as âncoras do sofrimento
do homem solitário,
que te amou – e ainda te ama! – intensamente!

Mulher sonhadora,
mas capaz de atrevido abandono,
preste atenção...
Aquele navio que te chama,
com lágrimas
e saudades...
Aquele navio que te chama
sou eu!
O apito suplicante,
prolongado e assustador
é o meu grito, há anos sufocado,
o gemido da solidão.

(BabyEspíndola)