sexta-feira, 13 de agosto de 2010

CONFISSÕES DE UM BEIJA-FLOR APAIXONADO

Num canto de um jardim
que tem quatro cantos,
e em cada canto
o encanto de dezenas de flores,
mora uma Rosa Vermelha,
misteriosamente encantadora,
mais bela
que todas as outras rosas,
mais vermelha
que a mais doce cereja.

Todos os dias,
da primeira hora da sabedoria
até o piar da coruja,
um Beija-Flor solitário
– o mais ligeiro dos pássaros –
voa em torno da Rosa,
em expontâneo ritual,
alegremente cantante,
apaixonado!

E, para que se cumpra
a profecia do livro do amor,
todos os outros pássaros,
reunidos nos ramos das árvores,
ouvem,
do pequeno alado,
o hino encantado,
cujas rimas são confissões.
Confissões de amor.

Pobre Beija-Flor apaixonado!
Não resiste ao perfume da flor.
Estonteado,
despenca em plena acrobacia
e cai,
nocauteado,
no canto mais úmido
e mais escuro do jardim,
à sombra do envelhecido jasmim.

Mas,
se para quem ama,
sem ser correspondido,
o destino oferece o sofrimento,
também reserva gotas de energia,
que o pobre passarinho,
resignado,
recolhe como dádivas divinas.

Quando recuperado,
volta então ao ritual
em torno da amada,
exaltando a sedução de suas pétalas
e o inebriante perfume.

Decididamente,
está apaixonado!
Apaixonado-confesso.

Se outro de sua espécie
corteja a Rosa desejada,
o Beija-Flor,
em pânico,
aterriza num galho seco...
Então,
sem fôlego,
emite um grito agudo,
o hino que traduz o amor desesperado.

Sonha
o Beija-Flor
com a Rosa, a mais bela,
só para si...
E, de tanto amor no peito,
julga-se até maior e mais forte
que o barulhento ben-te-vi.

* * *

Numa tarde sombria,
céu adivinhando tempestade,
o Beija-Flor,
todo apressado,
bebeu na folha do abacate
e retornou ao jardim.

! Que decepção !
Em volta da Rosa Vermelha,
num canto do jardim
– que tem quatro cantos
e em cada canto
o encanto
de dezenas de flores –,
exibe-se outro beija-flor,
! desconhecido,
! atrevido,
! oportunista!
Este,
da rainha-das-flores,
só deseja o prazer da companhia,
enquanto durar sua beleza.

A Rosa
! vaidosa,
! inexclupulosa,
abre as pétalas em radiante sorriso
e, de graça,
sem nada exigir em troca,
oferece seu perfume
ao pretendente amante.

O nosso Beija-Flor apaixonado
ainda tenta uma solução,
mas o outro,
! orgulhoso,
! vaidoso,
investe em tempestuosa agressão.

E, no meio de tantas bicadas,
em pleno vôo,
o invasor,
acidentalmente,
bate na Rosa
e ocorre o inesperado:

As pétalas caem desordenadas
e são arrastadas pelo vento.
Reinam tristeza e desespero,
num canto do jardim
que tem quatro cantos...

Em segundos,
da Rosa
! tão amada,
! tão querida,
! tão desejada,
resta apenas a saudade.

Imediatamente,
como num relâmpago
de tristeza e dor,
o jardim
que tem quatro cantos
perde todo o encanto...
E o impostor vai-se embora...

O Beija-Flor apaixonado
chora desesperadamente,
desolado.
É mais que um choro,
é um lamento:
retrato do sofrimento.

Incrédulo,
com o peito em sobressalto,
o eterno enamorado
reza ao Deus dos Jardins
e tenta,
inutilmente,
reunir as pétalas da Rosa,
fragmentos de uma vida
passageira e colorida,
pedaços de saudade.

Então,
descobrindo que o esforço é vão,
que a vida,
sem a Rosa Amada,
não tem sentido,
o Beija-Flor sofrido
fecha as pequeninas e delicadas asas
e jura nunca mais voar.

(Baby Espíndola)

<< * >>

Rio do Sul, 12 /10 /88.

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