quarta-feira, 3 de março de 2010

A LENDA DO FALCÃO QUE SUBIU AO CÉU

Numa ilha muito distante,
onde jamais esteve o homem,
vivia solitário um Falcão,
longe de outros de sua espécie,
perdido no reinado das gaivotas pescadoras.

Certa noite de inverno-julho,
terça-feira-das-asas,
no calendário das aves,
Falcão voava ao luar,
planava no espaço,
mergulhava alucinante.
Depois voava rasante, até cansar.
Mas, ao que parece, não cansava nunca,
maravilhado que estava com tanta beleza,
espetáculo da natureza:
luar argênteo sobre o mar crespo;
o mar imitando tapete de prata;
a prata imitando a paz.

Naquela noite de lua cheia,
entre revoadas e devaneios,
Falcão pousou numa pedra,
sentinela avançada a vigiar o mar.
Ondas impetuosas respingavam os rochedos,
e os rochedos bebiam tais encantos.

Falcão girou o olhar
e avistou uma gaivota diferente,
de olhos brilhantes, fascinante!
Morena, intensamente morena:,
uma Gaivota Negra.
Após breve contato,
inevitavelmente, se abraçaram,
se acariciaram...

E voltaram a se encontrar
todos os dias e todas as noites de lua,
sobre a mesma pedra,
que passaram a chamar Água na Boca,
porque os respingos, de tão intensos,
encharcavam a ambos.

E viveram felizes, durante anos...
Voavam juntos e pousavam em descanso.
Com a orquestra da natureza,
o coro dos passarinhos cantadores,
o violino dos ventos, o piano da chuva,
Falcão escreveu poemas no ar,
durante os vôos acrobáticos,
todos para a Gaivota Amada.

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Mas, de repente, tudo mudou...
Noite e dia o mar era só tempestade,
os vagalhões cobriam a pedra do amor.
Ventos uivavam, ferozes
e arrancavam as folhas das árvores,
na ilha que, antes, fora só de sonhos e encantos.
Naquele clima tempestuoso,
de infernos e demônios,
Falcão e Gaivota não mais se entendiam.

E veio a separação definitiva,
em dobro mais impetuosa que a união.
Mas, Falcão não se conformava,
pois muito amava Gaivota.

Quando a tempestade passou,
Falcão pousou na pedra
e esperou a amada.
E, de cansaço, adormeceu.
E, como a espera era uma tortura,
de desespero, chorou.
Culpava-se por seus possíveis erros,
erros de amor.

Tantas outras gaivotas em revoada,
mas a Gaivota Amada não voltou.
Gaivota sumiu do mar e do ar
– contaram os sussurros do vento.
Gaivota envolveu-se com outros de sua espécie,
esqueceu o amor, que dizia ser verdadeiro,
que tanto jurou.

No entanto,
Falcão permaneceu fiel a seus sentimentos,
pousado sobre a mesma rocha, imóvel,
no mesmo lugar,
esperando Gaivota,
até que suas asas, fora de ação, atrofiaram
e, desiludido, descobriu
que não poderia mais voar.
Então chorou lágrimas de silêncio,
até que veio a resignação:

Mas, para quê voar?,
se o espaço é um vazio
e, segundo a lenda dos ventos,
Gaivota foi embora para nunca mais voltar.

<< . >>

Porém, numa manhã muito sombria,
vento ainda soprando forte,
Falcão, encharcado pelos respingos das ondas,
olhava tristonho o mar sem fim...
Há muito, muito tempo, não decolava da pedra,
outrora o local dos encontros com Gaivota,
a Gaivota tão amada.

De repente,
ele acordou, como de um terrível pesadelo.
Olhou para si mesmo e sentiu vergonha...
Então, decidiu reagir.
Primeiro, se esforçou,
para readquirir a auto-confiança.
Depois, passou a bater as asas, vigorosamente,
até que conseguiu voar.
Foi um vôo tímido, mas voou.
Isso é que importava.

E logo estava planando sobre a ilha.
Entusiasmadas com a repentina recuperação,
outras aves se juntaram a ele,
dentre elas, muitas gaivotas,
em festiva solidariedade.
Mas nenhuma delas era a Gaivota Negra,
a gaivota tão querida, tão amada!

Atingido pelas recordações,
Falcão foi planando no espaço,
cada vez mais se afastando da ilha
e da pedra Água na Boca.
Muito do alto, avistou,
numa outra ilha, bem pequena,
de aspecto desolador,
uma gaivota solitária.

Desceu um pouco e descobriu
a sua tão amada Gaivota Negra.
Parecia triste em desilusão,
mas, tão linda quanto antes.
Estava só, sem ninguém em volta,
pois sumiram os pretendentes de outros tempos.

O coração de Falcão bateu forte,
provocando turbulência no peito angustiado.
Desejou descer até a amada e dizer:
– Eu te perdôo, pelo abandono,
pois ainda muito te amo!

Mas, enquanto pensava
e planejava um reencontro,
foi sendo arrastado por uma corrente de vento
e deixou-se levar, sem reação.
E foi subindo, subindo, subindo ao infinito...

Gaivota tentou, desesperadamente, alcançá-lo,
mas foi inútil todo o esforço,
pois sua habilidade é de vôos rasantes.
Assim, ela viu o amado desaparecer.
Gaivota Solitária então chorou.
Chorou pela primeira vez...
De saudade
e pela certeza, desalentadora,
de nunca mais ver Falcão,
Falcão dos vôos acrobáticos,
o romântico, o sonhador,
o poeta da terra e do espaço.

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Outros pássaros, que voavam próximos,
testemunham que o lendário Falcão
foi atraído pela gravidade do Planeta Céu,
onde o Deus Pássaro reina absoluto.

(Baby Espíndola)

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Revisado em 06/01/2002,
em 09/04/2003
e em 10/07/2005.

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