Mercado Público, no Centro de Florianópolis, antes do aterro soterrar importantes capítulos da história. Acervo: Velho Bruxo
LC
Baby Espíndola
O
sol em abandono planta as primeiras estrelas na noite, no intante em que o
comércio joga o povo nas ruas de outono.
Nas
calçadas, o mundo condensado em jornais que o dia amassou.
Nuvens
rubras no poente aberto ao poeta.
Espiando
a Praça, a Catedral abre-se cheia de vazio, endeusando bíblias enforcadas.
Aqui,
a figueira centenária ergue-se no orvalho, lançando sua sombra no amante da
lua.
Ela
é soberba, e eu preciso documentar que ainda não morri.
Mais
abaixo, o Miramar descansa o efeito dos anos.
Os
edifícios riscam a noite, espezinhando a humanidade: anonimato entre ferro e
concreto.
Pedestres
fogem das máquinas, quando o sinal abre-se ao desenvolvimento: vermelho para o
homem.
Sinos
monótonos medindo a lenta velocidade do sofrimento, no meu vagar sem rumo, no
ataque do câncer ao mundo.
Lembro
o último vôo da gaivota, sobre o trapiche afogado no aterro, lá por detrás do
casarão da Alfândega, que transpira melancolia na tela de Aldo Beck.
Impossível
meu desejo de explicar estas visões.
E quem explica o invisível?
Há
muita poesia na ilha noturna.
Um
casal de namorados invoca meu passado...
É
vivendo esse passado que hoje vago sem destino.
No
frio da Avenida, encontro vida nos sorrisos dos estudantes barulhentos; também
nos rostos dos intelectuais fechados.
Passos
de monotonia correndo do gemido do silêncio: é preciso fugir para não sofrer.
Mas,
a ponte detém os boêmios a olhar o mar.
Um
cego procura sexo nos risos da orgia, seguindo mapa de um deserto errante.
Numa
esquina, gravatas discutem política de sucessão ao Palácio Rosado: rugas nas
frontes enrugadas.
Como
tem mistério a noite!
Como
tem poesia o mistério!
Enquanto
uma freira olha vitrinas, gatos pretos vendem perfume de fantasmas.
As
estrelas iluminam a fila do amor, onde mendiga-se migalhas.
Enveredo
no labirinto de palavras antônimas do que realmente sou, no ensejo da
auto-sugestão.
Enquanto
o bar da esquina vende vício, paro diante do espelho e não me reconheço...
E
morro por deixar nascer um ateu.
Furo
desesperado a fila do cinema, buscando consolo no sangue e sexo.
Mas,
por ironia, a fita invoca um anoitecer e canta a dor de quem ama.
Fecho
os olhos molhados: o sol agora ilumina um amor que tive no outro lado do mundo.
Por
ela eu vago na noite sem destino.
<<>>
Terça-feira
- 21 de Maio de 1974. Este poema, no formado de prosa, conquistou o "Primeiro Lugar - Concurso de Poesia Própria", realizado
no Instituto Estadual de Educação, através do Centro Cívico, em Maio/Junho 1975.
Nenhum comentário:
Postar um comentário